Frei Betto
06/12/2013
Há uma nova doença nos
anais da medicina: a nomofobia, o medo de ficar sem celular. O termo foi
cunhado no Reino Unido, e deriva de “no mobile phobia”.
O fato é óbvio: para
qualquer lugar que se olhe, as pessoas estão atentas ao celular – rua, restaurante,
local de trabalho, ônibus, metrô, escola e até igreja.
Não sem razão, a revista Forbes considerou
o mexicano Carlos Slim, em 2013, pela quarta vez consecutiva, o
homem mais rico do mundo, com uma fortuna calculada em 73 bilhões de dólares.
Com negócios na área de comunicação em vários países, no Brasil ele controla
a Globopar (Net), a Claro e a Embratel.
O Brasil é o 60º país do
mundo mais conectado por celular, e o 4º a dar mais lucros às empresas de
telefonia. O brasileiro gasta, em média, 7,3% de sua renda mensal com o uso
do telefone móvel. Em julho deste ano, nosso país dispunha de 267 milhões
de aparelhos.
Essa fissura de manter
o celular ligado o tempo todo – e manter-se ligado ao celular todo o tempo
(até na hora de dormir) – se explica pela hipnose coletiva gerada pelas
redes sociais.
Uma das anomalias
de nossa época pós-moderna é o esgarçamento das relações pessoais e comunitárias.
A família tradicional, que se reunia à mesa de refeições ou na sala para
conversar, é hoje um bem escasso. As relações matrimoniais mal resistem
à primeira crise. Segundo o IBGE, as uniões conjugais duram, em média,
cerca de sete anos!
Na opinião de Aristóteles,
amizades são imprescindíveis à nossa felicidade. No entanto, nesse
mundo competitivo, muitas andam contaminadas por inveja, ciúme, cobranças
ou prejudicadas pela falta de tempo.
Resta então, nesse mar
revolto no qual naufragam antigos e saudáveis costumes, a ilha salvadora
do celular! O aparelho corresponde muito bem às contradições da pós-modernidade:
por ele me comunico, sem conversar; opino, sem me comprometer; me expresso,
sem me envolver; troco mensagens e torpedos, sem me doar a ninguém e a nenhuma
causa.
O fascínio do celular
consiste em amenizar minha solidão sem exigir solidarizar-me. Estou na
rede, interajo com inúmeras pessoas e, no entanto, fico na minha, olhando
o meu umbigo, indiferente ao fato de algumas dessas pessoas estarem sofrendo
ou, pelo menos, necessitando de minha presença física consoladora ou incentivadora.
O celular faz de mim, Clark
Kent, um Super-Homem. Eu, a quem quase ninguém presta atenção, agora gozo de
um público multimídia ligado no que expresso. Em contrapartida, o celular
me rouba tempo: de leituras, de trabalho, de convivência familiar e com
amigos. Com ele ligado no bolso ou ao meu lado, fica cada vez mais difícil a
concentração.
O celular é um espelho
mágico. Repare como as pessoas o fitam. É como se se vissem na tela. Por ser
um equipamento eletrônico dotado de múltiplos recursos, ele me traz a
sensação de que sou um Pequeno Príncipe capaz de visitar sucessivamente
diferentes planetas.
No celular eu me enxergo
como gostaria que as pessoas me vissem. Com a vantagem de que ele dissimula
minha verdadeira identidade, meu modo de ser, permitindo que eu me esconda
atrás dele. Ele faz de mim um ser onipresente. O que transmito é captado
por uma rede infinita de pessoas que, por sua vez, podem reproduzir a inúmeras
outras.
Hoje em dia os consultórios
médicos já lidam com crianças, jovens e adultos que padecem de nomofobia.
Gente que não consegue se desconectar do aparelho. Vive às 24h do dia ligada
a ele.
Ah, como é saudável
estar bem consigo mesmo e manter o celular desligado por um bom tempo, sobretudo
à noite! Mas isso exige o que parece cada vez mais raro nos dias atuais: boa
autoestima, falta de ansiedade, consistência subjetiva, gosto pelo silêncio
e uma vida ancorada em um sentido altruísta.
Website: http://www.freibetto.org
Twitter: @freibetto
Disponível: https://www.correiocidadania.com.br/colunistas/frei-betto/9144-06-12-2013-meu-celular-minha-vida
Atividade:
Ø Faça uma leitura com bastante atenção do texto,
leia e releia quantas vezes forem necessárias;
Ø Grife as palavras desconhecidas, procure o
significado no dicionário e registre no seu caderno;
Ø Após a leitura, responda a questão: O que meu celular representa na minha vida?
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